O lugar das coisas

Gosto das palavras exactas, as que acertam
com o centro das coisas, e quando as encontro
é como se as coisas saíssem de dentro delas.

Essas palavras sao duras como os objectos
que designam, pedra, tronco, ferro, o vidro
de espelhos quebrados com o calor da tarde.

Tento incendiá-las quando escrevo, como se
o fogo saísse de dentro da frase, e se espalhasse
pelo campo da página numa devastaçao de silabas.

Entao, atiro sobre as palavras outras palavras,
agua, po, terra, o ar seco do verao, para que a voz
nao fique queimada nesta paisagem negra.

Recolho os restos, os adjectivos, os adverbios,
artigos, preposiçoes, para que so as palavras que indicam
as coisas fiquem no lugar que ja tinham.

Pouco importa que as frases percam o sentido. O
que fica sao os nomes das coisas, para que as coisas saiam
de dentro deles e as possamos ver nos seus lugares.


Poema de Nuno Judice, p.20 do livro Cartografia de Emoçoes,
Publicaçoes Dom Quixote.


Poesia que combina com dias de luz fria.

posted by .j. @ 3:52 da tarde,

2 Comments:

At 6:01 da tarde, Blogger Vítor said...

Gostei!!

 
At 7:26 da tarde, Blogger .j. said...

ainda bem que gostaram :) é o melhor do blogue, poder partilhar coisas bonitas!

 

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