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Dois poemas, um livro que vale a pena procurar:


I

Tentei fugir

Tentei fugir
e o certo é que deu resultado:
permite-me ternura, risco ocasional,
nao te seguir atravessando a sala,
beijar-te em qualquer lado, em toda a parte,
sentar-me nas cadeiras sem roupa amontoada por passar
e um pouco de tempo até que cheguem
os monstros, os vencidos, os teus fantasmas.

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II

Fui as palavras ao mercado

Fui as palavras ao mercado,
para que me digam: olá loirinho, olha
que bonito está! Foste ao barbeiro?
Quanto tempo sem te ver, onde andaste?
E os meninos? Devem ter crescido muito.
E a tua esposa, que diz a tua mulher,
já te deixa vir sozinho ao mercado?
Se fosse eu nao te tirava a vista de cima,
mas ve la o que fazes, que a chamo.

Morreu, ia dizer-lhe,
mas preferi comprar-lhe ovos,
meio frango e um coelho.


A vida surpreendentemente é doce
quando tudo se passa como se o tempo nao passasse,
como passa nos contos, na cama,
na expressao dos meus filhos ao dizerem-me que estou feio
ou nas noites que nao fecham bruscamente a janela.

Olha, pai, nao te zangues,
sei que tens um montao de trabalho
que agora estás muito só e triste
que o telefone nao pára de tocar
e que por qualquer coisa choras
e nos gritas e nos mandas embora
para nao te incomodar.

Estás assim ha mais de um ano
mas como tomámos banho e nos vestimos,
te acompanhamos ao mercado,
te abraçamos e tentamos ser alegres
e que tenhas o cinzeiro sempre limpo,
estás certo de que tudo corre bem
e de que ela só a ti fazia falta.

Olha, nao te zangues,
mas preciso de saber que ainda nos amas,
que nao é certo o que dizem de nós,
e o meu irmao um caderno de espiral para o colégio.
Nao te zangues se te digo tudo isto,
mas nem reparaste em que ja sei escrever
e que ha já cinco dentes que nao passa o rato Pérez.


- poemas de Jordi Virallonga,
escritor espanhol,
in Quanto sei de mim, editora Teorema -


posted by .j. @ 7:47 da tarde,

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